segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Em seixal de cor seca estrelas pousam quase sem roupa

Inicio aqui um ciclo sob o signo de Manoel de Barros o poeta do pantanal. Os títulos são extraidos dos poemas dele com a devida vénia.

Procuro a relação entre percepção e mundo, procuro como quem caça...num ramo quebrado, na pégada imperceptivel, no cheiro do vento, na expectativa de compor uma representação feliz com minudências.

Cada um de nós constroi um modelo de percepção da realidade a partir do qual interage com ela: A nossa realidade não é "a realidade".

Quando vim para a Quinta do Monte Virgem comecei a saber os nomes das árvores, dos pássaros e dos animais ínfimos que habitam o solo, debaixo das folhas, entre as árvores que apodrecem, na terra cavada pela enxada. Às vezes mergulhava nesse mundo como se lhe pertencesse e isso chamou-me para o infinitamente pequeno. Comprei um microscópio. O mundo do microscópio desiludiu-me: Era como ir ao cinema, pior do que ir ao cinema, via um universo distante não estava nele. Estava do lado de cá a observar o lado de lá, era como observar a terra num planisfério. O mesmo se passou relativamente ao telescópio que comprei em saldos num supermercado.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Mover-se em linha recta num universo curvo


Fresco na rocha,Tassili, Argélia 7,500 A.C.

Durante os nossos anos da Serra de Ossa quizemos curvar a nova vida. Sermos bichos de acordo com a natureza, lembro-me dos meus pesadelos de infância de estar debaixo da terra rodeado de animais repugnantes e como eles se foram convertendo em paz e húmus. Saber que a morte faz parte da vida é diferente de o sentir em cada dia e em cada estação do ano. No olhar do primeiro borrego que matei com a navalha recém afiada dissolvendo-se numa cavidade atrás da orelha. Na morte de todo o galinheiro feita por "saca-rabos" que deixaram todos os cadáveres intactos com excepção das marcas das garras no dorso das aves e o lugar nos pescoços onde lhes sugaram todo o sangue. Do fogo que destrui práticamente toda a floresta e o despontar dos primeiros rebentos nos jovens e negros sobreiros que cuidávamos mortos.

No estado de animalidade e de ausência de mundo em que viviamos aprendemos o refúgio nos territórios do espirito. A convivência com a morte e com a vida, sugeria-nos a contemplação da eternidade e o sítio onde viviamos inspirava-nos como tinha inspirado muitas gerações de monges que antes de nós tinham habitado aquela casa e tinham amanhado, muitas vezes ajardinado, aquelas terras. Hoje estamos na acção.

Para disparar uma seta é necessário dobrar o arco.

Foi esta ideia e evidentemente o texto da Arendt que cito como sub-titulo, que me inspirou para criar este espaço para que pudessemos pensar a relação entre acção e contemplação. Entre a seta e o arco.

Entre a seta e o arco está a corda. A vida estará na tensão da corda?